Até R$ 15 milhões de investimento, por rodada, em empreendimentos imobiliários via estrutura de captação por crowdfunding.

sem nome (banner para blog) 6

A escassez de financiamento para o setor imobiliário

Por Prof. Kleisom Sabino

O acesso ao crédito no Brasil continua sendo um dos maiores entraves para incorporadoras e construtoras. As linhas tradicionais são restritas, onerosas e repletas de exigências burocráticas, como garantias rígidas e longos prazos de aprovação. Esse cenário pressiona o fluxo de caixa, atrasa cronogramas de obra e compromete a competitividade do setor, que depende de capital ágil para lançar e executar projetos.

Diante dessa realidade, vem ganhando destaque uma alternativa mais moderna e regulada: a captação pública de valores mobiliários por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo. Amparado pela Resolução CVM 88, esse modelo organiza e regula a prática do crowdfunding de investimentos no país, permitindo que empreendimentos imobiliários alcancem até R$ 15 milhões por rodada, de forma legal, transparente e acessível a múltiplos investidores.

O que mudou com a Resolução CVM 88 e por que isso interessa ao setor imobiliário

A Resolução CVM 88/2022 substituiu a antiga Instrução CVM 588 e trouxe um novo marco para as ofertas públicas de valores mobiliários de sociedades empresárias de pequeno porte. A norma não apenas atualizou limites financeiros, mas também reforçou padrões de governança, transparência e proteção ao investidor.

Para o setor imobiliário, em especial incorporadoras e construtoras, essa regulação representa um caminho concreto para levantar recursos fora do crédito bancário, que costuma ser restrito, oneroso e burocrático. Projetos podem ser financiados por meio de SPEs de incorporação, utilizando a captação via plataformas eletrônicas de investimento participativo, que são ambientes autorizados e supervisionados pela CVM.

Principais destaques da Resolução CVM 88

  • Quem pode captar: apenas sociedades empresárias de pequeno porte, ou seja, aquelas com receita bruta anual de até R$ 40 milhões (ou até R$ 80 milhões, caso estejam em grupo sob controle comum) (art. 2º, II). Essa definição abrange grande parte das SPEs utilizadas em empreendimentos imobiliários, pois muitas vezes são constituídas por projeto.
  • Valor máximo por rodada: cada oferta pode captar até R$ 15 milhões em um prazo de até 180 dias (art. 3º, II e §1º). Esse teto é significativo, especialmente para fases como aquisição de terreno, aprovação de projetos e início de obras. Mas tal limite é por SPE/CNPJ. Podendo coexistir com outros.
  • Intervalo entre ofertas: após uma rodada bem-sucedida, a mesma sociedade deve respeitar uma carência de 120 dias antes de lançar nova oferta (art. 3º, §2º). Esse dispositivo evita excesso de captações simultâneas pela mesma emissora.
  • Distribuição parcial: é possível fixar um valor-alvo mínimo e um máximo, desde que o mínimo seja de ao menos dois terços do máximo (art. 3º, III). Caso a demanda seja maior, pode ser emitido um lote adicional de até 25%, desde que aprovado e previsto em documentos (art. 3º, §§4º e 5º).
  • Proteção ao investidor:
  • Transparência e governança:
  • Fluxo financeiro seguro: os recursos captados ficam em conta segregada, sem transitar pela plataforma. Eles só são transferidos à emissora caso a oferta atinja o valor mínimo definido (art. 10). Caso contrário, são devolvidos integralmente aos investidores.
  • Comunicação e marketing: a divulgação é permitida, mas deve ser feita com linguagem clara, objetiva e serena, sem promessas de ganhos. Toda publicidade deve trazer em destaque a frase: “Não invista antes de entender as informações essenciais da oferta” (art. 11).

Por que isso é relevante para empreendimentos imobiliários

Empreendimentos imobiliários costumam ser estruturados em SPEs, que se enquadram perfeitamente como sociedades de pequeno porte. Isso permite que cada SPE, podendo ser mais de uma, abra rodadas de até R$ 15 milhões.

Mais do que isso, é possível desenhar estruturas mais sofisticadas, como a constituição de POOs de SPEs como sócias de uma SCP. Nessa configuração, cada SPE pode realizar sua própria rodada de captação dentro do limite legal, o que permite multiplicar o potencial de funding de um mesmo empreendimento. Assim, um projeto maior pode ser viabilizado por diversas SPEs associadas, cada uma captando até R$ 15 milhões, mas todas convergindo para a mesma SCP que centraliza a incorporação.

Esse arranjo amplia a capacidade de captação sem infringir os limites regulatórios, além de possibilitar maior diversificação de investidores e maior segurança na alocação dos recursos.

O resultado é um mecanismo legal, transparente e acessível, que democratiza o investimento em real estate e permite a incorporadoras e construtoras reduzir a dependência do crédito bancário tradicional.

Tokens imobiliários x crowdfunding regulado: qual a diferença regulatória

O Parecer de Orientação CVM 40/2022 deixou claro que criptoativos podem ser considerados valores mobiliários quando, pela realidade econômica, representem ativos previstos na lei ou contratos de investimento coletivo. Quando isso ocorre, essas ofertas se sujeitam integralmente ao regime de ofertas públicas, seja com registro, seja com dispensa, sempre com intermediação por agentes autorizados e observância das regras de divulgação.

Na prática, a CVM tem reprimido ofertas públicas irregulares de tokens que configuram valores mobiliários sem seguir essas exigências. Foram emitidos avisos ao mercado, ordens de interrupção e até processos sancionadores, inclusive envolvendo tokens lastreados em recebíveis.

O caminho seguro para o setor imobiliário passa além da tokenização. Para captar recursos de forma pública, a estrutura correta é a da Resolução CVM 88, utilizando uma emissora elegível, uma plataforma registrada, documentos completos e governança adequada.

Estruturas societárias usuais para projetos imobiliários

A SPE (Sociedade de Propósito Específico) é a mais utilizada, pois tem CNPJ próprio destinado exclusivamente ao empreendimento. Essa sociedade pode emitir valores mobiliários, como debêntures simples, ao público via plataforma regulada, de forma que o cronograma financeiro se alinhe ao cronograma da obra.

A SCP (Sociedade em Conta de Participação) também é comum em incorporações, organizando a participação de investidores vinculados à atividade da SPE. Essa estrutura pode ser combinada com a captação pública, desde que a emissão siga a Resolução CVM 88 e os documentos descrevam com precisão o fluxo de recursos e garantias. É importante reforçar que os recursos captados não podem ser usados para aquisição de participações minoritárias em outras sociedades ou para concessão de crédito. Devem ser aplicados diretamente no projeto, seja no terreno, na obra ou em custos correlatos.

Emissão de CRI como camada adicional de robustez

Além da rodada de crowdfunding, é possível adicionar uma camada de dívida estruturada por meio do CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários), emitido por securitizadora com lastro em créditos do setor, como recebíveis de vendas de unidades, aluguéis ou cessões fiduciárias.

O arcabouço jurídico dos CRIs está previsto na Lei 9.514/1997 e na Resolução CVM 60/2021. Para o investidor, o CRI representa renda fixa com previsibilidade de pagamentos, cronograma definido e garantias robustas, como regime fiduciário sobre os créditos e alienação fiduciária de imóveis. Para a incorporadora, o título pode reduzir o custo médio ponderado de capital, alongar prazos e casar o fluxo financeiro com os recebíveis do projeto.

Na prática, há dois modelos recorrentes: no primeiro, a SPE capta entre R$ 6 milhões e R$ 15 milhões na fase inicial de projeto e, conforme as pré-vendas avançam, estrutura um CRI para financiar a obra. No segundo, a securitizadora lança o CRI ancorado em recebíveis futuros e a rodada pública via plataforma funciona como mezanino, completando o equity e o CAPEX. Em ambos os casos, a documentação precisa ser bem amarrada quanto a garantias e uso dos recursos, além de compatibilizar os cronogramas entre a emissão do CRI e a oferta pública.

Passos práticos para uma rodada de até R$ 15 milhões por SPE.

O processo começa na fase de pré-estruturação, quando a emissora avalia se atende aos critérios de sociedade empresária de pequeno porte e define qual instrumento será ofertado, como debêntures simples, notas de crédito próprias ou contratos de investimento coletivo. Nessa etapa são estabelecidos o term sheet, regras de remuneração, garantias como alienação fiduciária ou cessão de recebíveis, além do planejamento de comunicação, que deve respeitar as regras do art. 11 da Resolução CVM 88.

Na sequência vem a preparação dos documentos, que incluem as Informações Essenciais e o Pacote de Documentos Relevantes, como contrato social, escritura ou contrato do valor mobiliário, deliberações societárias e demonstrações financeiras, auditadas quando a norma exige. Esses materiais ficam disponíveis na página da oferta, que também mostra a evolução da captação, o fórum de dúvidas e os alertas de risco.

Durante a distribuição, a rodada pode durar até 180 dias, sempre com a exigência de atingir o valor mínimo equivalente a dois terços do máximo definido. O investidor pode exercer o direito de desistência em até 5 dias após a confirmação do aporte. O encerramento da oferta leva à liquidação, que ocorre em até 7 dias úteis, com transferência dos recursos à emissora ou devolução caso o mínimo não seja atingido.

Na fase pós-oferta, a emissora deve cumprir obrigações periódicas de informação e manter disponível o link da oferta por cinco anos. Algumas plataformas também podem intermediar transações subsequentes dos valores mobiliários emitidos, permitindo que investidores ativos negociem seus títulos, embora sem configurar mercado organizado.

Boas práticas observadas pelo mercado

Para inspirar confiança, incorporadoras e construtoras precisam apresentar um cronograma técnico-financeiro detalhado, em que os marcos da obra estejam alinhados com a liberação de recursos. Também é recomendada uma matriz de riscos clara, contemplando licenças, engenharia, vendas e aspectos financeiros, acompanhada de estratégias de mitigação como seguros e buffers de contingência.

Outro ponto relevante é a governança da obra e do caixa, com contas vinculadas e relatórios periódicos, além de transparência na comercialização, curva de VGV, pipeline de vendas e políticas de distrato. No marketing, o material deve ser fiel às informações essenciais, sem promessas de retorno, remetendo sempre ao ambiente regulado da plataforma.

Arquitetura de capital possível para empreendimentos

Uma estrutura típica pode incluir equity do empreendedor entre 10% e 20% do CAPEX, somado a uma rodada pública de até R$ 15 milhões dentro da Resolução CVM 88, seja como dívida sênior ou mezanino, conforme as garantias. Complementando, pode haver a emissão de um CRI via securitizadora, lastreado em recebíveis e protegido por regime fiduciário.

Essa combinação resulta em um custo de capital mais competitivo, prazos ajustados ao ciclo da obra e maior previsibilidade para investidores, unindo o potencial de captação pública ao rigor das operações estruturadas de securitização.

 

Facebook
X
WhatsApp
Telegram
Rolar para cima